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Old 09-24-2006, 08:45 AM   #2
kimusubi0
 
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Perspectiva do professor - Apontamentos (errata)

Boa tarde a todos
Outa vez eu, e podemos ver a diferença entre a teoria e a pratica, relativamente a minha falta de atenção…
Durante a tradução do artigo para francês, reparei algumas incorreções na versão portuguesa.
Aqui vem uma versão mais acabada.
Os meus melhores cumprimentos
Jean-Marc
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Perspectiva do professor - Alguns princípios gerais para os alunos

Os alunos devem ser progressivamente ensinados a tomar conta da sua prática duma forma individual e consciente, e não devem ser habituados a serem permanentemente assistidos na medida duma autonomia real. Não se trata de desistência da permanente acção saudável do professor, que estará mais que nunca disponível, mas antes dum relacionamento diferente do aluno com ele próprio e com os outros. Eles vão aprender assim procedimentos, meios de controlo ligados a uma autogestão, que se pretende natural, capacidade não reativa a solicitações externas ou internas, e tomada de consciência de todos os elementos estruturais necessários e relativos ao desempenho e ao acompanhamento de qualquer posição ou movimento do corpo relacionado consigo próprio e com o parceiro de Aikidô. Utilizando uma imagem, podemos assim dizer que temos que "entregar" ao aluno uma "guia de marcha" onde estarão consignados os passos e as indicações generalistas e globais que vão servir de referencial ao longo do tempo.

I - Compreensão generalista da noção de procedimento
Nas aulas iremos ensinar qual é a utilidade dum procedimento com uma "lógica" estabelecida na abordagem duma dificuldade, no intuito de produzir um determinado efeito mais ou menos controlado, com a caracterização de etapas mais ou menos formalizadas. Um procedimento acaba por ser um atalho para chamar a atenção de quem não domina o pleno conhecimento de algo e/ou um paliativo para a falta de consciência.
1) O "Reigi-Saho" ou a etiqueta. A etiqueta tem, grosso modo, dois aspectos: O aspecto formal e normativo na sociedade (regulação social), e um sentido individual de purificação. Temos um exemplo, na relação que a consciência do corpo pode entreter com o mundo, e os efeitos que decorrem dessa interacção e que podem ser acompanhados: gestão de espaços, de emoções negativas e positivas, da agitação e calma, da distância que une e separa, da percepção da liberdade, da respiração, da concentração, etc. no sentido de se tornar presente, em harmonia e disponível quando necessário.
2) A técnica. Durante a demonstração do professor, a percepção do aluno realiza-se sem o "ruído" de qualquer tipo de pensamento. Ele apanha os "pontos de aprendizagem" que a sua consciência consegue traduzir. Uma técnica de Aikidô não desenvolve um conhecimento abstracto fora de contexto, nem pretende nada durante a sua execução, senão a vivência do momento presente. Intrinsecamente a técnica de Aikidô conjuga espontaneamente e ao mesmo tempo complexidade e simplicidade. É importante que os alunos sejam capazes de fazer a diferença entre "técnicas de Aikidô" e "Aikidô". Entre a música dum virtuoso e aquela que é interpretada duma forma estudada e artificial, o ouvido não se engana.

II - O corpo - Abordagem feita pelo Aikidô
Numa aceitação mecanicista, o corpo é um conjunto de partes que fazem sentido. Mas desta forma, para ultrapassar a mera teoria, temos que tomar consciência destas partes. Na realidade a aprendizagem não funciona duma forma tão linear; sobre este assunto, podemos reparar, a tentativa que as técnicas do Aikidô representam para não "perturbar a composição sensível destes dados (vistos como tal)" no seu contexto natural. No caso do trabalho com os(as) alunos(as), a ideia básica a reter pelo professor, é a "tomada de consciência do corpo".
O Aikidô "escolhe" sempre a via de "não fazer força" ou de utilizar a menor força possível e preservar geralmente uma flutuação natural e fluida entre o uso da força ou não. A sua utilização na prática, não deverá estar automaticamente associada a um aspecto funcional (escolha que se torna compulsiva, quando é um impeditivo a vivências diversas, ou restringe a ausência de intenção e/ou o repouso), para não "curto-circuitar" a qualidade "linguagem" presente no Aikidô. A técnica é praticada e ensinada com uma vocação o menos que possível descritiva, mas o suficiente para conseguir cativar a presença e consciência do aluno. Uma outra particularidade do Aikidô reflecte-se também na técnica por ser ao mesmo tempo simples e abstrata. Temos que assentar que a concepção duma pedagogia fundamentalmente baseada sobre o isolamento e organização de "factores elementares" acaba por mudar as características do Aikidô e transforma-o numa coisa completamente diferente sem mudar a sua aparência.

III - O corpo e o efeito de balança
Tecnicamente o corpo pode ser abordado como uma balança, para que se possa experimentar o balanço e as suas compensações permanentemente relacionadas ao centro de massa, aos apoios e à acção em curso por imposição externa, por decisão própria, ou por correcção postural. Os exercícios dinâmicos de ligação com tomada de consciência entre uma parte do corpo que actua em ligação com outra parte que presta assistência de várias maneiras, são excelentes estímulos. Veremos na queda por exemplo, o funcionamento dos "dois pratos da balança" na distribuição do peso a volta dum eixo. Reparar que a posição estática pode acolher o repouso ou não. E notar que a tomada de consciência de outros tipos de dinamismos perceptíveis pode ser realizada em posição estática ou durante uma acção.

IV - O ataque, a ausência da noção de papel no Aikidô, e a aparente contradição numa fase intermediária da aprendizagem
Quando um aluno principiante está a aprender um ataque, de repente é preciso assumir um papel que levanta dificuldades para alguns. Não constitui uma informação de grande utilidade transmitir ao principiante que não existe a noção de "papéis" em Aikidô, quando sabemos que só a partir dum certo nível de prática conseguimos identificar esta realidade. O Professor deve assim encontrar as ferramentas mais adequadas, que originam uma melhor compreensão do aluno num determinado momento. Algumas fases intermediárias de aprendizagem utilizam por vezes intenções e imagens sugestivas como meios alternativos. A inconsistência de alguns artifícios será naturalmente revelado quando aquilo que é verdadeiramente importante for colocado no bom momento, no local certo e com o sentido de oportunidade. O ataque deve ser espontâneo e com intenção, e deve corresponder a uma aprendizagem para os dois parceiros. A ligação deve permitir a cada um de ser autêntico e proporcional.


V - A agitação na prática e tomada de consciência
O papel da agitação na perturbação da consciência poderá ser ilustrada pela imagem dum macaco preso a uma corda atada a uma estaca, e que salta sem parar, gritando e puxando a corda dum lado para o outro, sem conseguir libertar-se. Quando o macaco, cansado de tanta efervescência, se acalma, senta-se ao pé da estaca. Perto do "centro", aliviado da sua teimosia e ignorância, a consciência apurada encontra a paz.
Num outro registro, temos o exemplo do combate simulado com várias técnicas convencionadas de bokken (sabre de madeira), efectivado entre dois parceiros avançados e determinados, praticado com um ritmo não linear e com o sentido da oportunidade em cada instante. Kumi tachi é o nome deste tipo de trabalho. Se for bem feito, podemos facilmente imaginar que uma pessoa menos experiente pode tornar-se tão agitada como o nosso "macaco saltitante". Mas nem sempre a agitação é perceptível.
Normalmente, quando uma sequência é executada, a nossa consciência encontra-se atarefada com o seu papel técnico de "ego actuante" que se torna crispado, quando a adaptação do movimento (e da consciência) ultrapassa a sua capacidade de previsão. Neste caso, quanto maior é a implicação menos oportunidades surgem. Durante o "fogo da acção" o praticante poderá tentar manter a consciência canalizada no sentir duma parte do corpo, do princípio ao fim, sem interrupção, e sem diminuir a intensidade do trabalho em curso. Assim, se for bem sucedido, a consciência terá a oportunidade de se "descolar" do "ego actuante" e adquirir estabilidade sem compensações, e receptividade para acolher mais facilmente a intuição.

VI - As quedas
A queda por definição não é destinada a ser um movimento de demonstração, no caso do Aikidô é o prolongamento natural duma projecção. O parceiro projectado é submetido a quedas, normalmente sem apoio (contrariamente ao ex. do koshi-nage), e apanhado num movimento aleatório, na pior das hipóteses, sem tempo para fazer uma previsão. As técnicas de quedas não devem ser ensinadas durante muito tempo individualmente, sem a actuação saudável dum parceiro. A ligação espontânea da queda com a projecção é fundamental para seguir o seu destino dentro de um leque de 360 graus, com agilidade e sem hesitações. Grandes precauções devem ser tomadas.

VII - Avaliação no Aikidô
A avaliação é baseada na análise de três factores não lineares: Shin, Ghi e Tai. Este três elementos estão numa proporção diferente consoante a idade, os gostos, o sexo, as dificuldades à partida e a concentração. Ghi e Tai são geralmente os elementos mais adaptados aos principiantes. No Aikidô, a avaliação é feita duma maneira não linear, justa em relação a cada um, intelectualmente válida e geralmente compreensível.
Shin: É traduzido por espírito, sopro. Não devemos confundir o espírito com o mental. O espírito é uma inteligência intuitiva directa.
Ghi: A técnica resume um procedimento situado no tempo e no espaço e que deve evitar o efeito de mera "leitura" por ter um objectivo para além de ela própria. É um movimento que deve interpretar duma maneira singular (nunca se repete) e harmónica, os aspectos aleatórios da realidade, e em particular, as alterações provocadas por um ataque, respeitando os constrangimentos externos e internos. A técnica não deve ser abordada como um movimento obrigatório, devendo antes obedecer em primeiro lugar à ligação que temos com o parceiro. Quando encaramos um projecto técnico "em modo bloqueado" ficamos atrapalhados com uma maneira de ser pouco flexível. Terá que ser encontrado um ajustamento natural entre aquilo que se pretende e as condições dum ataque em situação. A ligação com o parceiro é também respeitar os alinhamentos, a centragem, e a intenção. Numa técnica, a tomada de consciência e a espontaneidade são os factores principais a respeitar para agir sem interferir inapropriadamente.
Tai: Significa o corpo orientado conjugado com os três vectores que definem o espaço. O espaço no Aikidô não é encarado unicamente como uma coisa externa que se mede, mas reconhecido com continuidade, na consciência, no corpo e nas emoções. A orientação do corpo é plenamente vivenciada quando o corpo vive o momento presente. A agitação mental que alimenta ideias voluntaristas, ou pensamentos diversos deve ser evitada em favor duma consciência clara e serena. No Aikidô, não devemos estar com projectos, ou de outra forma, o único projecto é viver o momento presente. Sem agitação podemos ter mais facilmente uma percepção mais homogénea e articulada do corpo.

Setembro de 2006

Jean-Marc
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"Tu as le droit à l'action, mais seulement à l'action, et jamais à ces fruits; que les fruits de tes actions ne soient point ton mobile; et pourtant ne permets en toi aucun attachement à l'inaction. Bh G"
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