PDA

View Full Version : Os Mestres Músicos de Jajouka


Please visit our sponsor:
 



kimusubi0
08-09-2006, 04:56 AM
Os Mestres Músicos de Jajouka
Marrocos, Jajouka - 5, 6 e 7 de Agosto de 2006

Em Marrocos, nas montanhas do Djebala, a 14 km de K’sar El Kebir em direcção a Chefchaouen, na aldeia de Jajouka, podemos encontrar o túmulo do santo Sidi Ahmed Sheik.
O santo faz parte da origem da muito famosa confraria de músicos de Jajouka instalada nas proximidades.
Muito antes da dinastia dos Alaouites, os artistas de Jajouka eram os músicos oficiais do Sultão, viajando com este último e anunciando a sua chegada.
Os instrumentos dos músicos são a "rhaita" (oboé), a "nira" (flauta de bambu), o "gumbri" (guitarra) e os tambores (tebl) que produzem uma música intemporal e obsequente em ciclo durante horas e horas, e que provoca o transe.
A tradição diz que existia um aldeão que ao passear numa montanha árida, encontrou uma gruta cujo interior estava cheio duma vegetação luxuriante e num verde que contrastava com a paisagem exterior muito seca. Encontrou um homem misterioso que se chamava “Bou Jeloud” e que pediu manter o anonimato em relação ao resto da aldeia. Bou Jeloud propôs uma troca: Ele ensinava a tocar música ao aldeão em troca dum casamento arranjado com uma menina da aldeia. O acordo foi fechado, e rapidamente o nosso aldeão foi iniciado aos mistérios da mais enigmática música. A música era tão misteriosa que o aldeão, distraído, esqueceu-se da sua promessa. Bou Jeloud vestido de pele de carneiro, com um ramo em cada mão, apareceu furioso na aldeia, e bateu em todas as pessoas que encontrava. Para resolver definitivamente o caso, e como não havia nenhuma menina para casar, os aldeões, cheios de medo, resolveram dar em casamento ao Bou Jeloud uma mulher, meia louca, chamada Aicha Kendicha. Mas Bou Jeloud apercebeu-se rapidamente da impostura e voltou na aldeia. Desde então a ira de Bou Jeloud, é controlada por um grupo de músicos da aldeia com uma música de transe (A “Boujloudia”).
Nos nossos dias, a confraria é dirigida pelo Mestre Bachir Attar que segue as pisadas do seu Pai para transmitir, preservar e ser um dos intérpretes desta tradição antiquíssima e verdadeiro tesouro da espiritualidade em Marrocos, e que passou pelos reinados de pelo menos sete reis marroquinos.
Esta música foi oferecida, como presente especial, por Deus à família “Attar”, palavra de origem sufi que quer dizer “fabricante de parfume”. A liderança desta confraria é transmitida de Pai a filho. O Mestre ou Maâlem possui a “baraka” ou benção de Deus.
As melodias fazem vibrar algo de profundo em nós, desencadeando indirectamente uma paz sentida. Tem um efeito curativo sobre as doenças, e em todos os casos, acalma a nossa agitação quotidiana provocada por uma vida moderna desregrada.
Durante a minha estadia, ouvi também uma gravação dos músicos dirigidos pelo Mestre Hadj Abdesalam Attar (falecido em 1982) cuja interpretação é simplesmente extraordinária. Não será necessário dizer que um virtuosismo descomunal dá suporte a esta espiritualidade. Mas como a verdadeira eloquência inspirada, ela se manifesta sem darmos pela sua existência.
Há também uma impressão curiosa deixada pela interpretação, é o facto do aspecto técnico musical parecer esvanecer-se sendo substituído por uma expressão duma certa gratuidade e abertura dedicada a Deus. Assim a técnica, faz parte dos gestos simples do dia-a-dia, coisas da vida quotidiana, sem a teatralidade da pedagogia ocidental ou de um certo “voluntarismo” relacionado. São esses, alguns dos ensinamentos facultados desde a mais tenra idade.
Tivemos a sorte de presenciar a visita do “homem santo” que para além de ser um homem religioso duma muito grande sabedoria, é um contador de história como nunca vi. Os ensinamentos deste homem são sempre ouvidos com bom humor, mas com um grande respeito.
Se alguém me pedisse para definir, em algumas palavras, a minha visita em Jajouka, ficaria num primeiro tempo sem palavras verdadeiramente válidas para exprimir toda a riqueza desta experiência. Mas numa tentativa imperfeita, para satisfazer a curiosidade alheia, as palavras escolhidas são: religiosidade, presença, fineza intelectual, extrema delicadeza e discrição, grande simplicidade, etiqueta, harmonia, hospitalidade, bom humor, competência fora dos padrões normais, firmeza perante a vida, grande coragem e generosidade.
Os Mestres Músicos de Jajouka costumam receber as mais altas individualidades do Reino.
Algumas vedetas da cultura ocidental visitaram e apoiaram duma certa forma a vida dos músicos de Jajouka. Podemos citar alguns nomes conhecidos: Brion Grysin, William S. Burroughs, Paul Bowles, Timothy Leary, Brian Jones, Ornette Coleman, Bill Laswell, Mick Jagger, Sonic Youth, Joe Struman, Peter Gabriel, etc.
Os Mestres Músicos de Jajouka já participaram em bastantes espectáculos na Europa e nos Estados Unidos.

-------------
Obrigado Mestre Bachir pela música, pelo coração, pela festa magnífica, por tudo.
Obrigado Carlos por me teres trazido na casa dos teus amigos, num lugar tão atractivo, com almas tão bonitas.
-------------

Jean-Marc Duclos